Nas últimas décadas, o setor de educação superior privada no Brasil passou por uma transformação profunda. O que antes era um mercado fragmentado, com instituições regionais e de pequeno porte, tornou-se um ambiente dominado por grandes grupos educacionais, muitos deles com ações negociadas na bolsa de valores. Essa mudança foi impulsionada por uma combinação de fatores: crescimento da demanda por ensino superior, incentivos governamentais, avanços tecnológicos e, principalmente, uma estratégia agressiva de fusões e aquisições (M&A).
A expansão do Setor Privado e o papel do Estado
A partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, o setor privado passou a operar com maior liberdade regulatória. Isso facilitou a criação de novas instituições e a ampliação da oferta de cursos e vagas. Segundo dados do INEP (2012), em 2010 o Brasil contava com mais de 2.100 instituições privadas de ensino superior, representando cerca de 88% do total, enquanto as públicas somavam apenas 278.
Esse crescimento foi acompanhado por um aumento expressivo nas matrículas. Entre 1995 e 2010, a taxa média de crescimento das matrículas em instituições privadas foi de 10,5% ao ano, enquanto nas públicas foi de 5,8% (INEP, 2012). A modalidade de ensino a distância (EAD) também ganhou força, passando de pouco mais de 5 mil matrículas no início dos anos 2000 para quase 1 milhão em 2010 (Otranto, 2006).
Programas governamentais como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) também desempenharam papel fundamental na expansão do setor. No entanto, alguns estudiosos alertam para a necessidade de maior regulação e fiscalização, especialmente em relação à qualidade do ensino oferecido (Carvalho, 2006; Otranto, 2006).
A Consolidação do Setor: Fusões e Aquisições como Estratégia
Com o crescimento acelerado e a fragmentação do setor, iniciou-se um processo de consolidação por meio de fusões e aquisições. Grandes grupos educacionais, como Kroton, Estácio, Anhanguera, Ser Educacional, Laureate e Ânima, passaram a adquirir instituições menores para expandir sua base de alunos, aumentar sua presença geográfica e ganhar eficiência operacional.
Entre 2011 e 2016, foram realizadas 36 aquisições por empresas de capital aberto, totalizando R$ 4,8 bilhões em transações (Hoper Educação, 2016). A Kroton, por exemplo, adquiriu a UNOPAR, maior instituição de EAD do país, e posteriormente fundiu-se com a Anhanguera, formando o maior grupo educacional privado do mundo em número de alunos.
A Financeirização da Educação
Esse processo de consolidação está inserido em um contexto mais amplo de financeirização da economia. Segundo Aalbers (2015), a financeirização se manifesta na transformação do ensino em mercadoria, com foco na geração de lucros e valorização das ações, em detrimento da qualidade educacional (Oliveira, 2009).
A partir de 2007, com a abertura de capital de empresas como Kroton, Estácio, Ânima e Ser Educacional, o setor passou a atrair investimentos de fundos de private equity. Contudo, esse crescimento financeiro não foi acompanhado por uma melhoria proporcional na qualidade do ensino, conforme indicam os índices do MEC (2017).
Impactos no Mercado e Desafios Futuros
A consolidação do setor alterou significativamente a estrutura de mercado. Os grandes grupos passaram a controlar cerca de 24% das instituições privadas, concentrando quase metade dos alunos matriculados. Apesar dos benefícios de escala, esse processo também enfrenta desafios, como a negociação com mantenedores de instituições familiares e a defasagem nos dados oficiais do MEC/INEP.
Considerações Finais
As fusões e aquisições consolidaram-se como a principal estratégia de crescimento dos grandes grupos educacionais. Entretanto, a qualidade do ensino oferecido permanece um ponto de atenção. Com a retração de programas como o FIES, espera-se que as próximas aquisições sejam mais seletivas e estratégicas, focando em ativos com maior potencial de crescimento.
Referências Bibliográficas
- Aalbers, M. B. (2015). The potential for financialization. Dialogues in Human Geography, 5(2), 214–219.
- Caixa Econômica Federal. (2012). FIES – Financiamento Estudantil.
- Carvalho, C. H. A. (2006). Política para o ensino superior no Brasil (1995-2006). UNICAMP.
- Chaves, V. L. J. (2010). Expansão da privatização/mercantilização do ensino superior brasileiro. Educ. Soc. Campinas, 31(111), 481–500.
- Hoper Educação. (2016). Análise Setorial Hoper do Ensino Superior Privado do Brasil.
- INEP. (2012). Censo da Educação Superior 2010: resumo técnico.
- Oliveira, R. P. (2009). A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educ. Soc., 30(108), 739–760.
- Otranto, C. R. (2006). Desvendando a política da educação superior do governo Lula.