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A Consolidação da Indústria Farmacêutica nos anos 1990: Fusões, Aquisições e impactos no Brasil

Transformações Globais na Indústria Farmacêutica

Na década de 1990, a indústria farmacêutica global passou por uma transformação significativa, marcada por um aumento expressivo nas operações de fusões e aquisições (F&A). Este movimento foi impulsionado por fatores econômicos, tecnológicos e estratégicos que moldaram o cenário competitivo da indústria.

As empresas farmacêuticas buscavam reduzir custos e aumentar a eficiência, o que motivou a busca por economias de escala e escopo. Avanços em biotecnologia e genômica demandaram altos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), incentivando alianças para compartilhamento de riscos e recursos.

Fatores Econômicos e a Globalização

A desregulamentação das economias nacionais e a globalização dos mercados financeiros também facilitaram as F&A. A alta liquidez e a valorização dos mercados acionários impulsionaram essa tendência, com empresas tentando ampliar sua participação de mercado, acessar novas tecnologias e diversificar seus portfólios.

Fusões e Aquisições no Brasil: Pós-Plano Real

No Brasil, o ambiente favorável pós-Plano Real atraiu capital estrangeiro. A participação de empresas internacionais em operações de F&A saltou de 25% em 1991 para cerca de 70% em 1999. Essa movimentação aumentou a concentração de mercado, com multinacionais como Aventis, Novartis e Pfizer consolidando suas posições.

Apesar da modernização produtiva, o setor enfrentou desafios como a desverticalização da produção, o que aumentou a dependência de importações de medicamentos prontos e ampliou o déficit da balança comercial do setor.

Integração Operacional e acesso a P&D

As fusões e aquisições visaram, entre outros objetivos, a redução de custos logísticos, fortalecimento de portfólios e acesso a novas tecnologias. As empresas também aproveitaram o dinamismo do mercado interno brasileiro para expandir e modernizar sua capacidade produtiva.

Sinergias como Estratégia-Chave

As sinergias operacionais e financeiras foram centrais para as F&A na década de 1990. Empresas buscaram racionalizar linhas de produtos, concentrando-se em itens com maior valor agregado e densidade tecnológica. A desverticalização e o uso de insumos importados tornaram-se estratégias para redução de custos e aumento da flexibilidade organizacional.

Técnicas de gestão como a Gerência Total de Qualidade (TQM) e o Just in Time foram incorporadas para aprimorar a eficiência e a competitividade.

Oportunidades com Medicamentos Genéricos

A entrada de genéricos no mercado brasileiro trouxe oportunidades para reduzir a dependência externa e aumentar a competitividade. Investimentos estrangeiros e nacionais impulsionaram o setor, e políticas industriais como o poder de compra do governo passaram a ser vistas como mecanismos eficazes para fortalecer a cadeia produtiva nacional.

Panorama Histórico e Estrutural da Indústria Farmacêutica

Segundo o IBGE, a indústria farmacêutica está inserida na divisão 21 da Indústria de Transformação, voltada à produção de medicamentos humanos e veterinários. Trata-se de um setor intensivo em capital e inovação.

Kornis, Braga e Baumgratz de Paula (2014) identificam cinco ondas de inovação, desde a revolução química até a biotecnologia. A indústria, originalmente dominada por empresas alemãs e suíças, passou a ter forte presença americana após a descoberta da penicilina. O setor é marcado por oligopólios e barreiras de entrada, como patentes e economias de escala.

A Indústria Farmacêutica no Brasil: Da Produção Estatal aos Genéricos

No Brasil, a indústria teve início com a produção de soros e vacinas para combater doenças infecciosas. Entre 1970 e 1980, focava na reprodução de medicamentos patenteados. A abertura comercial na década de 1990 levou à desnacionalização, enquanto a chegada dos genéricos nos anos 2000 aumentou o acesso da população.

A regulação de preços evoluiu com a CMED, que monitora e limita preços. A cadeia produtiva continua pouco verticalizada, dependendo da indústria química para insumos.

Estudo de Caso: Fusões e Aquisições da Hypera Pharma

A Hypera Pharma é um dos principais exemplos de estratégia de F&A no Brasil. A empresa realizou aquisições importantes como a da Neo Química e da Simple Organic Beauty, com resultados distintos.

A aquisição da Neo Química em 2009 levou a um aumento de 33% na receita líquida, mas também elevou as despesas financeiras, reduzindo o lucro líquido em 25%. Já a compra da Simple Organic Beauty em 2020 foi mais bem-sucedida, com aumento de 32% na receita e 35% no resultado operacional no ano seguinte. O lucro líquido cresceu 11%.

Indicadores Financeiros e Avaliação de Desempenho

Indicadores como margem EBITDA, liquidez corrente e ROIC foram utilizados para avaliar o desempenho pós-aquisição. Após a aquisição da Neo Química, a margem EBITDA caiu de 22% para 13% em dois anos. Com a Simple Organic Beauty, a margem se manteve estável em 33%.

A liquidez corrente aumentou com a Neo Química, mas caiu levemente após a Simple Organic, mantendo-se saudável. O ROIC caiu para valores negativos com a Neo Química, mas permaneceu positivo após a aquisição da startup, indicando melhor aproveitamento dos recursos investidos.

Estratégia Focada: O Segredo do Sucesso

A análise mostra que aquisições focadas em capacidades tecnológicas tendem a gerar melhores resultados e sinergias. Em contrapartida, a diversificação excessiva pode diluir o foco e causar desafios operacionais.

Para maximizar valor e garantir crescimento sustentável, é essencial dispor de dados desagregados e acompanhar uma linha do tempo mais extensa que permita isolar os efeitos de novas aquisições e fatores externos.

Acontecimentos recentes no setor Farmacêutico e de Dermocosméticos

1. Expansão no Mercado de Dermocosméticos

Em 2024, o mercado de dermocosméticos movimentou quase R$ 7 bilhões. A Eurofarma adquiriu 60% da Dermage, enquanto Hypera e Cimed também ampliaram seus portfólios, mirando recomendações médicas e o consumidor final.

2. Movimentações na Hypera

O fundo de investimento L.Par, de Lírio Parisotto, aumentou sua participação na Hypera para até 5%, alinhando-se com Carlos Sanchez, da EMS (que detém 6%), sinalizando uma possível aliança estratégica.

3. Venda da marca Cremer pela Viveo

A Viveo contratou o Itaú BBA para vender a marca Cremer, avaliada em R$ 2 bilhões, como parte de um plano de reestruturação iniciado em 2023. A operação está vinculada a acordos com debenturistas.

Considerações Finais

A consolidação da indústria farmacêutica, intensificada pelas fusões e aquisições ao longo das últimas décadas, revela um setor altamente dinâmico, onde estratégias bem definidas são cruciais para o sucesso. A experiência brasileira, especialmente o caso da Hypera Pharma, mostra que aquisições orientadas por sinergias reais e alinhadas ao core business tendem a gerar valor sustentável, enquanto movimentos motivados apenas por crescimento de curto prazo podem comprometer a performance financeira.

A evolução do mercado, marcada por avanços regulatórios, entrada de genéricos, aumento da concorrência e maior exigência dos consumidores, exige das empresas farmacêuticas uma atuação cada vez mais estratégica, inovadora e conectada com as transformações globais.

Em um setor com forte presença de multinacionais e barreiras de entrada significativas, as empresas nacionais precisam combinar visão de longo prazo, capacidade de investimento e excelência operacional para garantir competitividade. O futuro da indústria farmacêutica brasileira dependerá da capacidade de agregar inovação, aproveitar oportunidades de consolidação e, sobretudo, construir uma cadeia produtiva mais integrada e menos dependente do exterior.